Ele contornou uma tragédia que vitimou mais de 50 pessoas. Agora, Harry Kraemer conta, na sala de aula, o que aprendeu como presidente
Por José Eduardo Costa
Há pouco mais de dez anos, o matemático e contador Harry Kraemer, então com 43 anos de idade, chegava ao topo de sua carreira na Baxter, multinacional americana do setor farmacêutico, que na época faturava 9 bilhões de dólares e tinha 48 000 funcionários. Harry entrou na Baxter em 1982 e percorreu diversos departamentos até chegar à presidência. Foi, no entanto, como presidente que ele encarou seu maior desafio.
Em agosto de 2001, três anos após assumir a gestão da Baxter, recebeu a notícia de que pacientes de hospitais na Espanha estavam morrendo. Todos esses pacientes estavam fazendo tratamento com hemodiálise. Os hospitais, seguindo o protocolo, notificaram a fabricante dos filtros, a companhia Althin Medical, que havia sido comprada pela Baxter no ano anterior. A partir daí, a farmacêutica iniciou testes com amostras de lotes vendidos para detectar se havia problemas com os filtros. Lotes foram recolhidos. Antes mesmo de ficar provada a culpa da Baxter, Harry assumiu publicamente a responsabilidade pelas mortes. Pediu desculpas às famílias da vítimas. A Baxter teve uma baixa contábil de 189 milhões de dólares devido às indenizações pagas. Ao todo, mais de 50 pacientes morreram em sete países. A atitude de Harry diante dessa fatalidade se tornou um exemplo de gerencimento de crise. Seu comportamento aumentou o prestígio da Baxter entre os funcionários, pacientes, médicos e acionistas. Hoje, Harry dá aulas na Kellogg, a escola de negócios da Universidade Northwestern, nos Estados Unidos. Lá, ele é responsável pela cadeira de estratégia e gestão. Em junho, ele foi eleito o professor do ano pelos alunos. Harry, que hoje tem 53 anos, dedica o restante de suas horas de trabalho ao escritório Madison Dearborn Partners, companhia de investimento em títulos privados, da qual é sócio, com sede em Chicago, nos Estados Unidos. De lá, ele falou a VOCÊ S/A.
O que você acha que as companhias mais apreciam em um líder?
Bom senso. Existe uma tendência em tornar as coisas mais complicadas do que elas realmente são. Isso faz com que os gestores adiem decisões ou façam reuniões para tudo. Seria mais simples se usassem bom senso. Outro ponto é que muitos profissionais não se preparam para ser líderes. Geralmente, o sujeito espera pelo cargo e então vai buscar a formação para ser um bom gestor. O funcionário pensa: "Ah, vou deixar isso para o futuro. Afinal, eu ainda não tenho uma equipe". No futuro, essas serão as mesmas pessoas que se tornarão líderes incompetentes ou, no mínimo, problemáticos.
Como remediar isso?
O conjunto de competências para ser um bom líder tem de ser desenvolvido muito antes de se chegar ao posto. Digo para meus alunos na Kellogg que um líder precisa ter quatro características essenciais: reflexão, auto-estima, equilíbrio e humildade (veja o quadro abaixo). Todas elas podem ser trabalhadas no dia-a-dia. Melhor ainda se houver a ajuda de um mentor. De novo, quanto antes começar a trabalhar essas habilidades, maiores as chances de sucesso na carreira.
A quem cabe, então, o papel de formar a liderança?
Nunca acredite que a companhia vai assumir seu desenvolvimento. Digo aos meus alunos que assumam essa responsabilidade. Cabe a cada um de nós procurar as melhores ferramentas para crescer na carreira.
Essa é uma idéia que vem se popularizando nas duas últimas décadas, certo? Ainda assim, parece que as pessoas não atentam para a importância disso. Por quê?
Há 25 anos, quem estava entrando no mercado de trabalho ainda acreditava que se aposentaria pela mesma empresa em que havia começado. As gerações mais novas, e me refiro às pessoas que nasceram no final da década de 70 e início dos anos 80, são bem mais “móveis”. Ou seja, elas não querem permanecer em um único lugar. Elas se vêem trabalhando em cinco, seis lugares diferentes ao longo de sua vida. E isso só funciona se o indivíduo for o gestor da própria carreira. As empresas entenderam que, em vez de prometer o emprego pela vida útil do funcionário, seria mais honesto estabelecer uma relação de parceria, na qual ela ajuda o profissional a desenvolver seu potencial.
As escolas de negócios, em especial as americanas, falam muito da importância de adequar o perfil pessoal ao da empresa. Em tese, isso garantiria maior chance de progressão na carreira e de sucesso profissional. Você acredita nisso?
De forma alguma. Nós, na Kellogg, nos esforçamos para não perpetuar essa visão. Se você é realmente um bom profissional não tem que se preocupar se vai caber ou não em uma organização. Se você é um líder, o mais importante é saber até que ponto você quer levar a organização e as pessoas que estão lá. De novo, muita gente acredita que essa é uma visão que deve estar na cabeça do diretor e do presidente. Insisto que a mudança pode ser começada ou conduzida a partir de qualquer área da empresa. Mahatma Gandhi disse: “Seja a mudança que você quer ver no mundo”. Ou seja, se você acha que tem de haver uma transformação, por que você não a começa? Achar que você deve encontrar uma organização em que melhor se encaixe é um jeito errado, a meu ver, de pensar a carreira.
Outro ponto bastante estimulado nas escolas de negócios é o treinamento para lidar com números, as tais competências quantitativas ou técnicas. Fala-se pouco de ética e de valores nos negócios, não acha?
É verdade e eu acho isso uma pena. Na realidade, a maioria das escolas de negócios gasta pouco tempo formando líderes. Para fazer isso, é necessário investir na transmissão de valores como ética e integridade. Também é preciso ensinar aos alunos que é fundamental saber motivar, entender os próprios valores, desenvolver pessoas e se comunicar. Óbvio que é importante ter as competências quantitativas. Do contrário, você nem entra no jogo. Mas um bom líder não lê apenas números.
Qual é o seu conselho para quem quer chegar ao topo de uma companhia?
Desenhe cinco linhas paralelas numa folha de papel. Essas linhas podem representar as diferentes funções, departamentos, unidades de negócio, ramo de atividade e geografia de atuação que fazem parte de uma grande empresa. A maioria de nós começa na parte mais baixa de uma dessas linhas paralelas. Freqüentemente, tentamos imaginar a melhor forma de percorrer uma única linha. No entanto, as pessoas não pensam em como colocar os braços em torno de toda a organização. Recomendo olhar as outras linhas. É importante não estar interessado apenas na sua linha de negócio. Vale muito mais ter uma visão global da organização. O quanto antes você percebe as oportunidades reais de se mover entre as linhas paralelas de sua companhia, maiores as chances de crescer e chegar ao topo.
As quatro competências do líder, segundo Harry Kraemer
1 REFLEXÃOO
Líder precisa de um momento no dia para se desligar de todas as suas funções e refletir. Nesse instante, é sempre importante voltar às perguntas-chave: quais são os meus valores, quais são os princípios que defendo, quais são as coisas mais importantes para mim, será que os valores que defendo são claros para todos que trabalham comigo? Será que minhas ações são consistentes com o que prego? É essa habilidade de achar um tempo para pensar e colocar as coisas em perspectiva que acredito que os líderes estão perdendo. Poucos executivos refletem sobre seu papel nas organizações e nos valores que defendem e pregam. Se você não exercita a reflexão, dificilmente se conhece de verdade. E se você não se conhece, como pode liderar a si mesmo e a outras pessoas? Por isso, ter um tempo para refletir é muito importante.
2 AUTO-ESTIMA
É a habilidade de acreditar que as coisas podem ser feitas. Ter autoestima significa estar de bem consigo mesmo e entender que existem pessoas mais espertas do que você, mais atléticas do que você, mais influentes do que você. O fundamental é reconhecer aquilo em que você é bom e aquilo em que não é bom e conviver com isso. A partir daí, o líder se cerca de pessoas que são melhores que ele nos pontos em que ele é mais fraco. Parece simples, mas o que se vê nas organizações são líderes ruins cercados de gente mais incompetente por total insegurança do gestor com relação a seus pontos fracos. Na Baxter, eu sempre dizia: “Não estou tentando provar que estou certo e, sim, fazer a coisa certa”. Ao fazer isso, eu colocava o problema para todos.
3 EQUILÍBRIO
Esta é a habilidade de compreender todos os lados de uma mesma questão. O guru Stephen Covey [autor americano de Os 7 Hábitos das Pessoas Altamente Eficazes] diz: “Procure entender antes de se fazer entender”. Ao compreender todos os lados de uma mesma questão, fica mais fácil encontrar a resposta mais lógica para um determinado problema. Um exemplo simples: como líder, você tem de saber se sua empresa está produzindo para ter retorno ou porque quer crescer. Ter clareza sobre a estratégia do negócio garante uma melhor gestão de pessoas. Eu realmente acho que o bom gestor precisa ter equilíbrio.
4 HUMILDADE
Essa competência significa reconhecer que, independentemente do nível em que esteja, você não é melhor nem mais importante do que ninguém. Cada pessoa da equipe é muito importante. Profissionais que interiorizam isso não se esquecem de onde vieram e mantêm as coisas em perspectiva.
Fonte: Revista Você SA.
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